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Eu e o mundo

As minhas impressões, opiniões e outras coisas acabadas em ões sobre o mundo, pelo menos o mais próximo de mim.

Eu e o mundo

As minhas impressões, opiniões e outras coisas acabadas em ões sobre o mundo, pelo menos o mais próximo de mim.

Relatos que nos doem

Sou uma leitora compulsiva. Desde que aprendi a ler, com quatro anos, sim quatro leram bem, que nunca mais parei.

Com nove anos já tinha lido tudo o que Fernando Namora tinha escrito, depois de me apaixonar pelos “Retalhos da Vida de Um Médico”, que descobri através de uma série televisiva, já tinha começado a espreitar Eça e Camilo, Júlio Dinis, Almeida Garrett, com quem nunca simpatizei grandemente e até Alexandre Herculano, que nunca me conseguiu convencer a ler “Eurico, o Presbítero”.

Com o tempo fui-me dedicando a diferentes áreas, mas sempre gostei de livros verídicos, de relatos de pessoas reais, que nos contam como vivem outros povos, que nos falam dos seus costumes, de países distantes.

Ao longo dos anos, alguns marcaram-me profundamente, como “O Silêncio das Lágrimas”, escrito na primeira pessoa por Fauziya Kassindja, que relata de forma para lá de arrepiante o tema da mutilação genital feminina ou excisão feminina, que arrepia qualquer mulher só de pensar. Não dá para imaginar a dor física e psicológica de uma mulher sujeita a uma tal abominação. Infelizmente um hábito ainda muito praticado em tribos africanas em alguns casos, muitos, com consequências fatais para as vítimas.

Tenho lido sobre a China de Mao, em livros como “Cisnes Selvagens”, de Jung Chang, que me deixaram agoniada com as atrocidades a que era sujeito o povo às mãos dos soldados de Mao. A tal ponto são os relatos, que muitas vezes parei a leitura do livro por alguns dias até arranjar coragem para continuar. Não foi um livro fácil de ler, mas que um dia destes vou querer voltar a folhear.

Tenho lido sobre as gueixas japonesas, o enfaixamento dos pezinhos, enfim, sobre imensas coisas.

No sábado passado e aproveitando o bom tempo, deitei-me ao sol com “Naziran Uma Mulher Sem Rosto”, escrito pela própria com a ajuda de Célia Mercier. Li-o de uma assentada. É um relato terrível. A história de uma vítima de punição pelo ácido, que perdeu o rosto, a visão e só não perdeu a vida, quase por milagre. A história de uma mulher que viu a sua integridade física destruída pelo ciúme de uma mulher e pela ganância de um homem, com quem a haviam obrigado a casar.

Aconselho a sua leitura, é preciso cada vez mais denunciar, falar, alertar. Estamos no século XXI, pensamos que vivemos numa sociedade civilizada. Nada mais errado. Enquanto crianças morrerem na noite de núpcias por serem violadas por homens, muitas vezes com idade para serem seus avôs, enquanto meninas continuarem nos campos de engorda da Mauritânia, enquanto mulheres sofrerem de excisão do clitóris para prevenir eventuais infidelidades, enquanto existirem pezinhos enfaixados, enquanto seres humanos se acharem no direito de atirar ácido sulfúrico para a cara de uma mulher destruindo-a completamente, nunca poderemos dizer que vivemos numa sociedade civilizada.

Falta fazer tanta coisa no mundo para ser um sítio civilizado…

 

 

Lá se vai a teoria do “povo irmão”

“O Brasil foi explorado tantos anos por Portugal agora continuará sendo pelo PT! Não é à toa que a sigla de Portugal é PT! Eu votei Aécio”, escreveu a atriz brasileira Luana Piovani, no seu Twitter, alguns minutos depois de ser conhecida a vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais brasileiras.

Uma frase muito interessante se prensarmos que sempre que um ator ou atriz brasileira, artista, etc., visita Portugal, as frases que escutamos nos discursos são invulgarmente: “Amo Portugal e os portugueses”; “É um povo maravilhoso, um povo irmão”; “Todo mundo me recebeu com o maior carinho”; “Me sinto em casa aqui”; “Tenho minhas origens em Portugal e sempre quis conhecer a terra do meu avô, bisavô, tetravô, tio, primo, etc”; “Me sinto português de coração”; “Quero muito voltar e conhecer melhor”; etc, etc, etc…

A própria da Luana declarou durante uma visita a Portugal: “'Adoro a comida e o carinho das pessoas pelo povo brasileiro”, afirmando também: “'Lisboa é um deslumbre, romântica e boémia ao mesmo tempo. Adoro a cerveja, as calçadas e a gente jovem sempre se cruzando”, e ainda sobre as praias: “'Adorei entrar na água. Sempre me disseram que a aqui é muito fria, mas eu não achei. Quando não é Verão, as praias do Rio de Janeiro são muito mais frias”.

Tadinha entretanto deve ter-se esquecido do que tinha dito e, no calor da derrota, deu a conhecer os seus verdadeiros sentimentos para com Portugal e o seu tão “amado” povo.

E isto é provavelmente o que todos eles pensam sobre os portugueses e são cínicos o suficiente para dizer exatamente aquilo que sabem que os portugueses querem ouvir.  Até porque se não o disserem como é que vão continuar a exportar as novelas, os cantores, os pacotes de férias e até vender as muitas casinhas que os “exploradores” portugueses têm comprado ao longo dos últimos anos no Brasil.

País irmão! Pffff!!! Que tristeza.

E para que não comecem os insultos, até concordo que os portugueses exploraram os brasileiros, como exploraram os angolanos, os moçambicanos, etc., aproveitando para ensinar alguma coisa pelo caminho, mas não vamos por aí. A escravatura é condenável em qualquer uma das suas formas, mas não foi uma invenção portuguesa, que eu saiba.

E continuando, eu já fui inúmeras vezes ao Brasil, onde sempre adorei ir e onde sempre me senti em casa. Até costumo dizer a brincar, que fui um erro de casting da cegonha, que era preguiçosa e me despejou no Alentejo só para não atravessar o oceano comigo no bico. Adoro o nordeste brasileiro e a forma como sempre fui recebida. Durante algum tempo sonhei que me reformava e ia viver definitivamente para lá, nunca mais tinha frio e podia ir todos os dias à praia. Era um dos meus sonhos, que entretanto, confesso já pus um bocadinho de parte. Não por causa da coisinha Luana, claro.

Sabem que mais? Continuem a ver novelas brasileiras, continuem a ir ver peças brasileiras com atores medíocres e textos fraquinhos, continuem a preferir cachaça a aguardente de medronho, continuem a comer picanha em vez de entrecosto, continuem… Tirando as novelas e as peças eu também vou continuar, seguramente.

Mas a verdade é que está na altura de também começarmos a valorizar o que é nosso e a defender o nosso nome. Porra, afinal não somos seres inferiores. Se somos tão maus porque raio é que esta gentinha quer tanto que vejamos o trabalho deles? Dá jeito não é? O euro dá jeito.

Não gostei mesmo nada da afirmação da Luana. E aposto que não fui só eu!

A Farsa

Fui ao Teatro Nacional D. Maria II ver A Farsa com uma atriz que, confesso envergonhadamente, não conhecia, a Sara Carinhas, mas que já ganhou mais uma fã.

A Farsa é um texto de Raúl Brandão centrada no ódio recalcado de Candidinha, uma mulher seca, triste e desesperada.

A Sara surge em cena nua, de roupa, mas completamente vestida de talento, de expressão. Ficamos expectantes a olhar para as transformações que o seu corpo nos mostra. A forma como se metamorfoseia na frente dos poucos espectadores que a Sala Estúdio permite, e ainda bem, porque é um texto para se viver com a atriz e não para se ver de fora.

“Vinda de um lugar fantasmagórico, uma voz grita dilacerada: ‘Ai que ma levam’ e, num ápice, o escuro profundo da sala estúdio do Teatro Nacional D. Maria II transforma-se num velório onde distinguimos Anacleto, viúvo que ‘berra sacudido pelo desespero’, Candidinha sentada num xaile coçado, Felícia cidadã honorária das servas de Deus, Patrícia de peito volumoso e mole, o escrivão Belisário ‘todo sebo’... são muitas as personagens em torno da morta mas todas elas acontecem num só corpo, o de Sara Carinhas, atriz, bailarina e performer que aqui explora os seus limites”, assim é apresentada a peça e assim é entendida pelos espectadores.

 

Confesso que no início quando avisam que o espetáculo terá a duração cerca de duas horas e meia, fiquei um bocadinho em pânico, mas a verdade é que as duas horas e meia passam rapidamente e de forma absorvente. Mesmo numa sexta-feira, no final de um dia de trabalho, o quinto de uma semana de trabalho, mesmo depois de uma pessoa se ter levantado às sete da manhã e ter dormido cerca de três horas, é impossível não centrar a atenção na (Candidinha) Sara Carinhas.

 

Na segunda parte somos convidados a circular pelo espaço de cena para melhor absorvermos o percurso da personagem que se move cegamente (mesmo cegamente) pelos vários nichos onde vai de alguma forma cumprindo o seu destino, é absolutamente avassaladora. A Candidinha que vê o seu sonho ruir e que vê o seu destino cada vez mais sombrio…

 

E portanto, ao contrário do que aconteceu com Tribos, adorei A Farsa, as minhas filhas adoraram e passámos um serão a três muito bom.

A Sara Carinhas é um TALENTO! A Sara é toda ela expressão, toda ela arte, é absolutamente maravilhosa. Maravilhosa. Fiquei fã e adorei.

 

Lá está, não precisamos de ir ao Brasil buscar talento de palco. O palco está na génese portuguesa, os atores portugueses são de facto animais de palco. Mais uma vez se prova.

Que pena que se fale tão pouco de teatro em Portugal. Que pena que atrizes como a Sara Casinhas não sejam o mais conhecidas possível. Como é que é possível?

Parabéns Sara Casinhas. Na próxima atuação estarei lá. Porque só poderei sair maravilhada e cheia de emoção. Como saí de A Farsa.

 

É só uma novela, mas...

É de facto só uma novela, mas confesso que ontem fiquei com os olhos marejados de lágrimas a ver a cena da Bárbara e do Jorge, da novela Mulheres, da TVI.

De facto é só uma novela, mas algumas cenas são muito reais. E a de ontem foi-o e bastante.

Primeiro quero deixar aqui a minha admiração e respeito pelos dois atores, que tão brilhantemente vestem a pele das suas personagens. À Jessica Athayde por conseguir, sendo ainda tão novinha, entrar tão bem dentro da pele de mulheres que são violentadas, agredidas e maltratadas pelos maridos. E ao Luís Gaspar, porque dificilmente encontrariam um ator melhor para aquele papel. É mais que credível e já dei por mim várias vezes com vontade de lhe bater. Coitado, aposto que muita gente olha para ele na rua e tem dificuldade em distinguir o Luís do Jorge. Ambos de parabéns, bem como quem escreve aquelas cenas. Muito bom.

Ontem fiquei mesmo chocada com a cena em que a miúda estava a fazer as malas e ele chegou e começou a falar com ela num falso tom calmo e foi tão visível o crescendo de raiva na expressão do Luís (Jorge) e o medo, desespero, sensação de animal acossado na cara da Jessica (Bárbara). E confesso, sem pudor ou vergonha, que chorei.

Não chorei só pela cena, apesar de a considerar uma das melhores da novela, a par com a da última tareia que levou a Bárbara (Jessica) ao hospital.

Quem já passou por uma situação idêntica sabe que há coisas que não se esquecem. Não fui, felizmente violentada, da maneira que a Bárbara o é, mas também fui agredida. E as lágrimas chegaram quando vi o medo e a sensação de animal acossado na cara da Jessica. Porque eu já me senti assim. A sensação de impotência, o desespero contra um agressor maior e mais forte que nós, a sensação de sermos um bicho acossado por um predador, o medo, o medo, muito medo… Um medo maior que nós, maior que o mundo, que durante muito tempo habita nos nossos sonhos, ou seria melhor dizer, pesadelos, um medo que nos deixa impotentes, que nos persegue durante muito, muito tempo, para sempre…

É impossível esquecer um pé que voa na direção da nossa cara, do nosso corpo, uma mão que se agiganta face ao nosso desespero e impotência, a dor que marca o corpo, mas muito especialmente a alma.

Podemos deixar o agressor, tirá-lo da nossa vida, mas nunca tiraremos a agressão de dentro de nós. Essa fica para sempre. Deixamos de sentir raiva, de odiar, de temer o agressor, mas a agressão ficará para sempre. Uma vítima de agressão nunca consegue apagá-la de si. Nunca se abstrai e por mais que queira, nunca consegue passar indiferente.

Toda a gente me perguntou o que me passou pela cabeça para me meter no meio de uma briga em que umas quantas mulheres de etnia cigana espancavam uma miúda que trabalhava comigo. O que me passou foi que senti a solidão, a impotência, o desespero, o medo dela perante as mãos, os pés e as pessoas que lhe batiam. O que me passou foi que eu já tinha estado do lado dela e ninguém me ajudou, porque ninguém viu. O que me passou foi ver a agressão perante alguém mais pequeno, indefeso, menos forte. Passou-me o que me passará sempre. Uma agressão é uma agressão.

Um homem que bate numa mulher não é um homem, é um cobarde, um frustrado, mal amado, mal resolvido, uma besta. Mas também é um ser inseguro, dependente emocionalmente do controlo que acha que tem o direito de exercer sobre a sua vítima, dependente da sensação de ser o mais forte, o dono da sua vítima…

Não olhem para o lado. Ao vosso redor uma mulher pode ter a sua vida em risco e precisar apenas de um olhar vosso.

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