Antiguidades, ternura, tias e marmelada
Gosto tanto de ser antiga. Gosto mesmo. Não é raro o meu marido virar-se para mim e dizer-me: “És muito antiga”. E ri-se no gozo comigo e com as minhas antiguidades.
Ele tem razão, eu sou mesmo antiga. Em muitas coisas. Nas canções, que gosto de ouvir e que me recordam um tempo em que eu ainda nem tinha nascido, na forma como faço a comida e como a tempero e naquela mania, muito minha, de fazer as minhas polpas de tomate, o tomate seco, as compotas, os doces e as marmeladas. Já para não falar dos bolos, dos biscoitos, enfim, de quase tudo.
É como eu costumo dizer: “Odeio comida pré-fabricada”. É que odeio mesmo. Sempre achei tão interessante ser eu a produzir os bolinhos de aniversário, os biscoitinhos, as bolachinhas de chocolate, os rissóis, os croquetes, o folar da Páscoa, os docinhos todos do Natal, tudo, tudo…
Adoro quando tenho pretexto para ir para a cozinha e ficar por lá horas a fio, às vezes dias, a produzir coisas, a confecionar petisquinhos e coisinhas e sentir à porta da minha casa o cheiro a antigamente.
Sabem aquele cheirinho da casa da avó? No meu caso era mais das tias, porque uma das minhas avós morreu quando eu tinha 4 anos e a outra nunca foi uma pessoa de quem fosse muito próxima. Mas as minhas tias, em especial a minha tia Matilde fez o favor de me deixar essa lembrança na memória.
Sempre que chegava a casa da minha tia começava por beber água no púcaro de alumínio que estava pendurado no quintal na torneira por cima do tanque de lavar a roupa. A melhor água do mundo, garanto. Um sabor especial o daquele púcaro. Não sei se ainda por lá anda…
E depois avançava para a cozinha da minha tia, uma cozinha com uma lareira alentejana onde o lume ardia e deitava calor a uma panela de barro assente em cima de uma trempe, onde fervilhavam feijões, couves, batatas, uma sopa com o melhor saborzinho do mundo, de que ainda hoje guardo o cheiro e o carinho com que era feita.
Também na casa da minha tia comi o melhor queijo fresco do mundo, apertado no cincho pelas mãos da minha tia que nunca pintou as unhas nem foi à manicure mas que tinha e continua a ter, certamente, das mãos mais bonitas do mundo.
Foi com ela que passei algumas das melhores tardes de verão, a brincar com pequenas forminhas em alumínio, julgo que da minha prima, a sentir cheiros e a comer coisas boas que guardei até hoje no coração.
Obrigada, tia Matilde (ti’à Matilde, como se diz na minha terra) por ter contribuído de forma tão decisiva para o meu stock de memórias boas. Guardo-as a todas com muito carinho.
Tenho mais tias, a minha querida tia Ana, que eu adoro, a minha madrinha Emília, que adoro também, a minha tia Isabel, a mais nova da ninhada e querida, querida, já para não falar que faz as melhores empadas de galinha do mundo e arredores, e ainda as tias adotadas, como a tia Laurinda e a minha madrinha Benvinda, e todas elas me mimaram quando era miúda, sempre que me apanhavam a jeito. Em casa de todas me senti sempre amada e mimada, muitas vezes até mais do que na minha e a todas agradeço por terem contribuído para me tornarem uma pessoa melhor e com muita bagagem boa dentro de mim.
Uma bagagem que tem sido tão importante e fundamental para manter a sanidade em algumas alturas da minha vida. Estou distante de todas, quase não as vejo, mas guardo-as no meu coração com a ternura que elas me transmitiram em criança.