É só uma novela, mas...
É de facto só uma novela, mas confesso que ontem fiquei com os olhos marejados de lágrimas a ver a cena da Bárbara e do Jorge, da novela Mulheres, da TVI.
De facto é só uma novela, mas algumas cenas são muito reais. E a de ontem foi-o e bastante.
Primeiro quero deixar aqui a minha admiração e respeito pelos dois atores, que tão brilhantemente vestem a pele das suas personagens. À Jessica Athayde por conseguir, sendo ainda tão novinha, entrar tão bem dentro da pele de mulheres que são violentadas, agredidas e maltratadas pelos maridos. E ao Luís Gaspar, porque dificilmente encontrariam um ator melhor para aquele papel. É mais que credível e já dei por mim várias vezes com vontade de lhe bater. Coitado, aposto que muita gente olha para ele na rua e tem dificuldade em distinguir o Luís do Jorge. Ambos de parabéns, bem como quem escreve aquelas cenas. Muito bom.
Ontem fiquei mesmo chocada com a cena em que a miúda estava a fazer as malas e ele chegou e começou a falar com ela num falso tom calmo e foi tão visível o crescendo de raiva na expressão do Luís (Jorge) e o medo, desespero, sensação de animal acossado na cara da Jessica (Bárbara). E confesso, sem pudor ou vergonha, que chorei.
Não chorei só pela cena, apesar de a considerar uma das melhores da novela, a par com a da última tareia que levou a Bárbara (Jessica) ao hospital.
Quem já passou por uma situação idêntica sabe que há coisas que não se esquecem. Não fui, felizmente violentada, da maneira que a Bárbara o é, mas também fui agredida. E as lágrimas chegaram quando vi o medo e a sensação de animal acossado na cara da Jessica. Porque eu já me senti assim. A sensação de impotência, o desespero contra um agressor maior e mais forte que nós, a sensação de sermos um bicho acossado por um predador, o medo, o medo, muito medo… Um medo maior que nós, maior que o mundo, que durante muito tempo habita nos nossos sonhos, ou seria melhor dizer, pesadelos, um medo que nos deixa impotentes, que nos persegue durante muito, muito tempo, para sempre…
É impossível esquecer um pé que voa na direção da nossa cara, do nosso corpo, uma mão que se agiganta face ao nosso desespero e impotência, a dor que marca o corpo, mas muito especialmente a alma.
Podemos deixar o agressor, tirá-lo da nossa vida, mas nunca tiraremos a agressão de dentro de nós. Essa fica para sempre. Deixamos de sentir raiva, de odiar, de temer o agressor, mas a agressão ficará para sempre. Uma vítima de agressão nunca consegue apagá-la de si. Nunca se abstrai e por mais que queira, nunca consegue passar indiferente.
Toda a gente me perguntou o que me passou pela cabeça para me meter no meio de uma briga em que umas quantas mulheres de etnia cigana espancavam uma miúda que trabalhava comigo. O que me passou foi que senti a solidão, a impotência, o desespero, o medo dela perante as mãos, os pés e as pessoas que lhe batiam. O que me passou foi que eu já tinha estado do lado dela e ninguém me ajudou, porque ninguém viu. O que me passou foi ver a agressão perante alguém mais pequeno, indefeso, menos forte. Passou-me o que me passará sempre. Uma agressão é uma agressão.
Um homem que bate numa mulher não é um homem, é um cobarde, um frustrado, mal amado, mal resolvido, uma besta. Mas também é um ser inseguro, dependente emocionalmente do controlo que acha que tem o direito de exercer sobre a sua vítima, dependente da sensação de ser o mais forte, o dono da sua vítima…
Não olhem para o lado. Ao vosso redor uma mulher pode ter a sua vida em risco e precisar apenas de um olhar vosso.